Fundação da Nova Itajubá
A história da atual cidade de Itajubá está intrinsecamente ligada à decisão de um sacerdote em inícios do século XIX. Diferentemente de outras cidades mineiras fundadas por bandeirantes ou pela atração do ouro, Itajubá teve sua origem na determinação de seu pároco.
Fundação[editar]
Em fins de 1818, o Padre Lourenço da Costa Moreira foi nomeado pároco da antiga Freguesia de Nossa Senhora da Soledade de Itajubá. Essa localidade, que hoje é a cidade de Delfim Moreira, já existia desde 1703, fundada pelo bandeirante paulista Miguel Garcia Velho. No entanto, devido a conflitos com os moradores da antiga sede paroquial, Padre Lourenço tomou a decisão de transferir a sede paroquial para o outro lado do rio Sapucaí.
Essa mudança resultou na fundação de um novo povoado. O local escolhido, às margens do rio Sapucaí, era conhecido como "Capela Nova da Boa Vista do Sapucaí". A fundação ocorreu em 19 de março de 1819, coincidindo com o dia de São José. Como primeiro patrono, o vigário deu ao novo povoado o nome de São José, esposo da Virgem Maria.
O Padre Lourenço da Costa Moreira é amplamente considerado o fundador da atual cidade de Itajubá. Ele é descrito como um sacerdote com "largas visões de progresso e da realidade das coisas". Sua ação é comparada à de um "novo Moisés", que conduziu seus fiéis paroquianos em busca de uma "nova Canaã sul-mineira" para assentar a nova sede da Freguesia. O "mito do Padre Fundador", com a metáfora do Moisés do Sapucaí, ficou estabelecido e perdura no imaginário popular e na documentação.
Não existia um arraial ou início de povoado significativo no local da fundação em 1819, apenas algumas fazendas dispersas nas imediações. Testemunhas da época narravam como foi a fundação. Um desses acompanhantes, José Gonçalves Coelho Mindello (o velho Mindello), ajudou a roçar o alto do outeiro onde se improvisou o altar da primeira missa. No alto desse outeiro, onde ficava o altar inaugural, foi construída uma primeira ermida de pau-a-pique e sapé em poucos dias. A escolha do dia de São José para a fundação levou a ermida a ter São José como patrono. No entanto, mais tarde, a Capela Nova tornou-se a sede da Freguesia de Nossa Senhora da Soledade da Boa Vista de Itajubá.
É importante notar que a atual Matriz de São José no bairro Boa Vista não marca o local exato da fundação. A devoção a São José no atual bairro Boa Vista começou mais de um século após a fundação, com a improvisação de uma capela em uma sala de um prédio em 1937. O local da derrubada do arvoredo para o início de Itajubá, onde foi construída a primeira ermida e que posteriormente seria a sede paroquial, foi "justamente no lugar onde está a igreja Matriz", referindo-se à Matriz da sede da Freguesia.
A decisão do Padre Lourenço de abandonar a antiga sede paroquial (Delfim Moreira) revoltou os moradores de lá, que tentaram mover um processo contra ele. Um documento interessante dos primórdios da história de Itajubá registra a "Súplica" encaminhada pelo Capitão Custódio Manuel Rodrigues, representante dos delfinenses, ao Juiz de Paz, questionando o abandono.
Formação Inicial[editar]
Após a fundação em 1819, o povoado fundado por Padre Lourenço, inicialmente conhecido como Boa Vista do Sapucaí, começou a prosperar. Em 16 de maio de 1822, foi elevado a Curato. O reconhecimento da importância do Padre Lourenço é evidenciado pelo fato de o Bispo D. Mateus de Abreu Pereira ter-lhe concedido as prerrogativas de Vigário Colado da Boa Vista em 1821.
Em 29 de agosto de 1831, foi criado o Juizado de Paz, e em 8 de novembro de 1831, o povoado foi elevado à categoria de Freguesia, com o nome de Nossa Senhora da Soledade de Itajubá. Em 1832, a Freguesia de Nossa Senhora da Soledade já contava com uma população estimada em 5.000 habitantes.
A formação inicial da cidade também envolveu a história de uma imagem de Nossa Senhora dos Remédios. Existia uma ermida dedicada a ela nas Anhumas, um local perto da Berta, área outrora sob domínio de um quilombo em desmantelamento. A imagem foi trazida para a cidade em 1843. A história da imagem está documentada em livros da Paróquia de Nossa Senhora da Soledade. Por volta de 1850, foi edificado um segundo templo católico na Freguesia da Boa Vista do Sapucaí, dedicado a Nossa Senhora dos Remédios. Curiosamente, os zeladores da imagem nas Anhumas eram dois irmãos surdos-mudos, e o colégio construído na cidade sob a sombra dessa relíquia histórica seria primeiramente dedicado ao ensino de surdas-mudas, fundado pelas Irmãs da Providência, que também passaram a zelar pela Capela dos Remédios.
Um evento notório nesse período foi o chamado "Encontro". Este episódio remonta à resistência dos moradores da antiga Soledade de Itajubá (Delfim Moreira) à transferência da sede paroquial. Eles se opuseram à ordem superior que mandava transportar as imagens e ornamentos da igreja de Soledade para a nova igreja de São José, na Capela Nova. Essa luta, por vezes renhida e com emprego de força, durou muitos anos.
O progresso do arraial da Boa Vista do Sapucaí era notável. Em 27 de setembro de 1848, pela Lei nº 355, Itajubá foi emancipada e elevada à categoria de Vila, desmembrada do território de Campanha, e denominada Vila da Boa Vista de Itajubá. A primeira instituição pública do município, a Câmara Municipal de Itajubá, foi criada pela mesma lei e instalada em 1849.
Posteriormente, em 4 de outubro de 1862, pela Lei nº 1.149, Itajubá foi elevada à categoria de Cidade.
Controvérsia Histórica[editar]
Pesquisas mais recentes indicam que a narrativa tradicional pode ter sido construída estrategicamente. Entrevista com professora Felícia Eugênia de Abreu Couto, NEPHIS mostra que a narrativa tradicional sobre a fundação de Itajubá, baseada nos registros do Padre Lourenço, deve ser analisada com cautela.
O documento que relata a "grande marcha" das oitenta famílias só foi redigido décadas depois, nos anos 1850, em um contexto em que era necessário legitimar a posse das terras diante da nova Lei de Terras (1850). Padre Lourenço, ao registrar a fundação da cidade no Livro de Óbitos de Escravos, procurava reforçar os direitos dos moradores da então recém-criada vila.
Há indícios de que o número de famílias era exagerado e que muitos dos episódios narrados foram romantizados. Além disso, as disputas entre Padre Lourenço e antigos posseiros, bem como sua relação com sesmeiros locais, indicam que a transferência da sede paroquial foi um processo complexo e cheio de conflitos — e não apenas um movimento harmonioso como muitas vezes é apresentado.