Abolição da Escravatura
A história da abolição da escravatura em Itajubá, Minas Gerais, é marcada por um acontecimento de grande relevância nacional, que lhe conferiu o título de "Cidade Luz".
Contexto Histórico da Escravidão em Itajubá
A presença de africanos em Itajubá antecede a fundação da cidade. Já no século XVIII, existiu no município o Quilombo da Berta, um local onde se refugiavam escravos fugidos de senzalas do sul de Minas e do norte de São Paulo. O bairro Berta (ou Aberta) no sul do atual município de Itajubá, junto à Serra do Pouso Frio e à Pedra Vermelha, era parte dessa área. O arraial das Anhumas, próximo à Berta, existia desde 1810 e pode ter sido iniciado no século XVIII por escravos fugidos homiziados na Berta.
A população escrava em Itajubá cresceu significativamente ao longo do século XIX:
- 1825: 1.000 (estimativa)
- 1835: 1.712
- 1848: 2.104
- 1860: 2.982
- 1868: 3.021
- 1872: 4.275
- 1876: 4.496
Os livros de batizados de escravos no arquivo da Paróquia de Nossa Senhora da Soledade registravam os nomes dos senhores de Itajubá que possuíam escravos, incluindo o Padre Lourenço da Costa Moreira, o fundador da cidade.
O Tratamento dos Escravos
Embora a cidade tenha se destacado por seu ato de libertação antecipada, as práticas desumanas contra escravos também ocorreram em Itajubá. Jornais do século XIX, anteriores a 1888, noticiaram atrocidades. Um fazendeiro chamado Manuel Custódio dos Santos, por exemplo, foi acusado de torturar um escravo chamado Clemente por ter comido um pedaço de cana, chegando a arrancar-lhe dentes com uma torquês. Apesar de um "Auto do corpo de delito" ter comprovado as denúncias, o fazendeiro e seu capataz foram absolvidos em um segundo julgamento.
As posturas municipais tratavam os escravos principalmente sob o ângulo da segurança pública, vendo-os como uma ameaça a seus proprietários e à população livre. A fuga ou o uso da violência por parte dos escravos não eram vistos como consequência de sua condição, mas como desvios de conduta. Escravos abandonados podiam ser classificados como "bens de evento" (gado solto e sem identificação), sujeitos a apreensão, avaliação e leilão, momento em que seriam declarados livres pela Câmara.
O Processo Emancipacionista Local
O movimento pela libertação dos escravos em Itajubá se alinhou com os movimentos nacionais gradualistas que buscavam a extinção da escravidão. Leis como a de extinção do tráfico (1853), a Lei do Ventre Livre (1871), e a libertação compulsória dos sexagenários (Lei Saraiva-Cotegipe de 1885) reacenderam o combate ao cativeiro em Itajubá. Em 1885, a Lei Saraiva-Cotegipe gerou grande entusiasmo, identificando 225 escravos sexagenários no município, número reduzido a 104 após descontos.
Os abolicionistas itajubenses não confiavam apenas nas providências governamentais. O jornal "O Itajubá", redigido pelo Dr. Aureliano Moreira Magalhães, combatia a servidão e incentivava manumissões. O jornal noticiava as alforrias concedidas voluntariamente pelos senhores em ocasiões festivas. Gestos filantrópicos de senhores libertando seus escravos eram frequentes. O Ten. Cel. Domiciano José Pereira, falecido em 1886, deixou em testamento a liberdade para seus 23 escravos. Autoridades governamentais também contribuíam financeiramente para a libertação.
Uma Comissão Libertadora foi organizada e a própria Câmara Municipal aderiu ao movimento. Por proposta do vereador Joaquim Francisco Pereira Júnior, foi criado o Livro da Liberdade (ou Livro de Honra). Este livro, encadernado em veludo vermelho e com dizeres gravados em ouro, tinha a finalidade de registrar para a História os nomes dos abolicionistas, que àquela altura, segundo uma Armelim Guimarães em seu livro História de Itajubá, era todo o povo itajubense.
Apesar de esforços emancipacionistas, há indícios de que a motivação dos fazendeiros para a libertação em massa estava mais ligada à defesa de sua propriedade e à antecipação de possíveis reações dos escravos, visando garantir a mão de obra e evitar abalos na ordem pública e prejuízos à lavoura. O movimento dos fazendeiros parecia buscar a abolição geral em prazo breve, possivelmente com indenização, e uma lei que obrigasse os vadios ao trabalho para suprir a falta de braços agrícolas.
O Marco Histórico: 11 de Março de 1888 - "Cidade Luz"
O acontecimento mais célebre da história abolicionista de Itajubá ocorreu em 11 de março de 1888. Dois meses antes da assinatura da Lei Áurea, os fazendeiros e senhores de escravos do município se reuniram e decidiram conceder "gratuitamente" cartas de alforria a todos os seus cativos.
Em uma solenidade em praça pública, a Municipalidade, por meio da Comissão Manumissora Municipal presidida pelo Cel. Joaquim Francisco Pereira Júnior, com o assentimento de todos os proprietários, declarou "extinto o regime da escravidão dentro dos muros do Município". Este feito foi seguido de um "entusiástico desfile pelas ruas com banda de música e foguetes festivos".
O número de escravos libertados nesse dia é estimado em cerca de dois mil, segundo o Juiz de Direito Dr. Adolfo Augusto Olinto.
Este ato humanitário teve repercussão nacional, sendo noticiado em jornais da Corte como "Cidade do Rio", "Jornal Comércio", "Gazeta de Notícias" e "O Paiz". O grande abolicionista José do Patrocínio, no Rio de Janeiro, qualificou Itajubá de "CIDADE LUZ".
Itajubá teve a honra de ser a primeira cidade da Província de Minas Gerais a libertar todos os seus escravos.
A Lei Áurea
Em 13 de maio de 1888, a Princesa Imperial Regente Izabel sancionou a Lei n.º 3.353, conhecida como Lei Áurea, que extinguiu a escravidão em todo o Brasil. Itajubá celebrou este acontecimento, com jornais locais dedicando suas primeiras páginas à notícia.
Legado Pós-Abolição
Apesar da abolição, a questão da indenização aos antigos proprietários de escravos persistiu. Em 1890, o Ministro da Fazenda Rui Barbosa, com apoio da Confederação Abolicionista, ordenou a queima de documentos relacionados à escravidão para evitar que servissem de base legal para indenizações, medida que teve continuidade com seu sucessor.
O "Livro da Liberdade", criado pela Câmara Municipal de Itajubá para registrar os nomes dos abolicionistas, serve como um documento histórico deste período.
Uma figura que representa a longevidade do impacto da escravidão foi Maria do Carmo Jerônimo, considerada a última escrava do Brasil, que faleceu em Itajubá em 14 de junho de 1999, aos 129 anos.